Carta à Alemanha
Novembro 1, 2012 | Por José Maria Castro Caldas
Senhora Merkel, Chanceler da Alemanha,
Venho pedir-lhe, por ocasião da visita que em breve nos fará,
para levar consigo na partida uma breve mensagem aos seus concidadãos. Eis o
que gostava que lhes transmitisse:
Sabemos que na década passada os vossos governos vos
disseram que tinham de abrir mão de parte dos salários para preservar o futuro
do vosso Estado Social. Disseram-vos, e vocês acreditaram, que se prescindissem
de uma pequena parte do rendimento presente vos tornaríeis “mais competitivos”
e que, dessa forma, o vosso país poderia obter uma poupança capaz de sustentar
as vossas pensões e os direitos sociais dos vossos filhos no futuro.
Sabemos que a década passada não foi fácil para vós e que
o vosso país se tornou desde então menos bonito e mais desigual. Sabemos também
que o objetivo pretendido foi conseguido. Que a Alemanha se tornou «mais
competitiva», exportou muito, importou menos e mais barato, conseguiu grandes
excedentes da balança de pagamentos e acumulou poupança nos vossos bancos.7
Nós sabemos, mas vocês talvez não saibam, porque isso não
vos é dito pelos vossos dirigentes, que esse dinheiro acumulado nos vossos
bancos, foi por eles aplicado, à falta de melhor alternativa, em empréstimos a
baixo juro aos bancos do sul da Europa, entre os quais os bancos portugueses, e
por eles emprestado de novo com muita publicidade e matreirice a famílias do
sul cujos salários também não cresciam por aí além, mas que desejavam ter casa,
carro e um modo de vida parecido com o vosso.
As nossas economias sujeitas à concorrência criada pela
globalização que tanto convinha às vossas empresas exportadoras cresciam pouco.
Mas o crédito que os vossos bancos nos ofereciam, por intermédio dos nossos, lá
ia permitindo que as nossas famílias tivessem acesso a bens de consumo, muitos
deles com origem nas vossas empresas exportadoras.
Durante algum tempo este estado de coisas parecia ser bom
para todos.
Quando em 2008 todas as bolhas começaram a estoirar, os
vossos bancos descobriram que não podiam continuar a arriscar tanto e cortaram
o crédito aos bancos do sul e mesmo aos Estados. Se a União Europeia não tivesse
decidido que nenhum banco podia abrir falência, responsabilizando os Estados
pelas dívidas bancárias, teríamos assistido a uma razia quer dos bancos
endividados, quer dos bancos credores. Mas a UE decidiu que os governos iam
«resgatar» os bancos e que depois ela própria, com o BCE e o FMI, «resgatariam»
os Estados.
Foi desta forma que os vossos bancos, que haviam
emprestado a juros baixos para lá de todos os critérios de prudência, se
salvaram eles próprios da falência. Foi assim que eles conseguiram continuar a
cobrar os juros dos empréstimos e a obter a sua amortização. Doutra forma,
teriam falido. Talvez vocês não saibam, mas os empréstimos concedidos à Grécia,
à Irlanda e a Portugal são na realidade uma dívida imposta aos povos destes
países para «resgatar» os vossos bancos.
Talvez vocês não saibam também que até agora, os vossos
Estados, todos vós como contribuintes, não gastaram um euro que fosse nos
«resgates» à Grécia, à Irlanda e Portugal. Até agora o vosso governo concedeu
garantias a um fundo europeu que emite dívida a taxas quase nulas para
emprestar a 3% ou 4% aos países «resgatados».
Talvez vocês não saibam que em breve este estado de
coisas se pode vir a alterar. A austeridade imposta em troca de empréstimos
está a arrasar os países «resgatados».
Em breve, estes países, chegarão ao ponto em que terão de
suspender o serviço da dívida. Nessa hora, haverá perdas, perdas pesadas para
todos, contribuintes alemães incluídos.
Talvez vocês não saibam, mas no final, todo o esforço que
haveis feito na década passada para tornar a Alemanha «competitiva» e
excedentária se pode esfumar num ápice. Afinal os vossos excedentes, são os
nossos défices, os créditos dos vossos bancos são as nossas dívidas. Os vossos
dirigentes deviam saber que uma economia é um sistema e que a economia do euro
não é exceção. Quando as partes procuram obter vantagens à custa umas das
outras, o resultado para o conjunto e cada uma delas não pode deixar de ser
desastroso.
Talvez vocês não saibam, mas os vossos dirigentes andam a
enganar-vos há muito tempo.
Perdoe-me senhora Merkel se entre uma e outra palavra
deixei transparecer amargura em excesso. É que não sou capaz de o esconder: o
espetáculo de uns povos contra outros é para mim insuportável, sobretudo quando
afinal todos eles se debatem com um problema que é comum – o da finança que
governa com governos ao serviço de 1% da população, como o seu e o nosso. À
memória ocorrem-me tragédias passadas que deviam ser impensáveis. Concordará
comigo pelo menos num ponto: é preciso evitar esses inomináveis regressos ao
passado.
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