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sexta-feira, 29 de abril de 2022

Se formos… Que seja de mãos dadas!

Provavelmente já terá visto em filme aquela velha história do miúdo mais forte que passa a vida a infernizar o miúdo franzino. Geralmente, aquele, tende para se meter em sarilhos e acaba por cair numa vida de delinquência, enquanto a sua vítima se esforça para ter um futuro melhor.

A certa altura, o malandro sai de cena. Ou porque tem um acidente grave ou porque vai para uma casa de correção...

O que importa é que deixam de se cruzar.

Um, teve uma vida atribulada com constantes entradas e saídas de estabelecimentos prisionais, ao passo que o outro, teve uma vida “dita normal”, contribuindo dentro das suas possibilidades, mas de forma positiva, para o progresso da comunidade onde está integrado.

Durante algum tempo, o mais forte, batia e aterrorizava o mais fraco. Felizmente, nunca lhe causou uma lesão grave.

Apesar de mais forte fisicamente, era na realidade mais fraco em muitos outros aspetos.

Muita gente ainda defende o conceito restritivo do “mais forte”. Hoje sobrevivem bebés que noutros tempos teriam morrido por falta de cuidados médicos, mas que crescem, e acabam por se tornar adultos. Muitos, conseguem obter inequívoco sucesso, nas mais diversas áreas.

O mais forte fisicamente desta estória, não trouxe nada de positivo para a sociedade.

A área da Rússia é 28 vezes maior que a da Ucrânia e tem uma população mais de três vezes superior.

Fazendo um paralelismo com a estória de cima, é claramente aquele que bate nos mais fracos.

Claro que a complexidade desta segunda narrativa é outra.

A Rússia tinha um grande objetivo quando decidiu invadir a Ucrânia: impedir que esta se tornasse num país livre, próspero e desenvolvido.

É inadmissível para alguém como Vladimir Putin que um país vizinho da “Grande Rússia”, ainda por cima que fez parte da antiga URSS, queira viver num regime totalmente diferente, e pior que isso, com sucesso. Isso levaria o povo russo a levantar várias questões. Algo que não interessa nada a um ditador (que o seu povo comece a interrogar-se).

A forma ideal de concretizar esse objetivo seria fazer da Ucrânia uma espécie de Bielorrússia. Para além de outras, traria certamente vantagens económicas.

Não tendo obtido sucesso no plano inicial, a fase B incluía três objetivos para alcançar a meta final: impedir a Ucrânia de ser um país livre, democrático, próspero e desenvolvido.

1) Destruir a Ucrânia e as suas estruturas económicas para os atrasar o mais possível;

2) “Abocanhar mais uma fatia do bolo”. Depois da Crimeia, irá tentar a região do Donbass.

3) Retirar aos ucranianos o acesso ao mar. Mais uma forma de os prejudicar economicamente (restringir a saída e entrada de mercadorias aos países vizinhos a ocidente).

Admitindo, nesta fase, que a Rússia não consegue colocar um governo fantoche na Ucrânia, vou-me cingir aos três objetivos descritos em cima.

O primeiro podemos dizer que foi alcançado. Pelas imagens que temos visto na televisão, cidades totalmente destruídas, incluindo bairros puramente residenciais, e muitas outras infraestruturas, não restam dúvidas que a Ucrânia vais precisar de tempo e muitos recursos para voltar ao estado em que estava antes do início desta guerra.

Quantos prédios de habitação terão de ser implodidos para construir outro no mesmo lugar?

Mesmo com o auxílio de um eventual “Plano Marshall”, não é algo que se faça de um dia para o outro e resta saber com que custos… (geralmente, não há almoços grátis).

Este objetivo por si só, não é suficiente para Vladimir Putin dizer que ganhou esta guerra, mesmo que o objetivo de atrasar a Ucrânia tenha sido alcançado.

Seria, no mínimo, muito difícil de explicar ao seu povo, que todo este esforço, com perdas humanas e materiais significativas, teve apenas por fim, impedir o mau exemplo dos Ucranianos.

Putin irá necessitar de algo mais. Depois da Crimeia em 2014, apoderar-se de mais um pedaço da Ucrânia, mais precisamente a região do Donbass, pode servir esse intento.

Vedar aos ucranianos o acesso ao mar, seria o terceiro objetivo, que a somar aos dois anteriores, dava a Putin a vitória que queria (se não impedir, pelo menos dificultar ao máximo a capacidade da Ucrânia em ser livre e desenvolvida). Não os tendo conseguido subjugar, conseguiu deixá-los muito mais fracos (e mais dependentes).

Daqui resultam as próximas questões: irá a Rússia conseguir apoderar-se da região do Donbass? E em relação a bloquear o acesso ao mar?

Quanto tempo mais, conseguirá a Rússia manter esta guerra? E a Ucrânia resistir?

Segundo alguns analistas, a Rússia não tem muito mais tempo para conseguir alcançar esses objetivos. Como reagirá Putin se não conseguir sair desta guerra com uma retórica de vitória?

Se sentir que pode sair deste conflito como derrotado, principalmente aos olhos do seu próprio povo, poderá levá-lo a cometer uma loucura? Poderá cometer a insanidade de usar armas nucleares? Se isso vier a acontecer, creio que as repercussões serão imprevisíveis…

Primeiro, porque foram os russos que começaram esta guerra, e porque continuam a ser os únicos que lhe podem por um termo, basta quererem. Mas, mais importante, porque nunca foram usadas armas com um poder tão destrutivo, simplesmente porque um país não tolera a liberdade de outro decidir como quer viver.

Todos sabemos que o ser humano é capaz de matar por questões de teor meramente ideológico, até mesmo por divergência de narrativa, mas nunca o fez com recurso ao uso de armas de destruição massiva. Em pleno século XXI, representaria um retrocesso civilizacional, que alguns poderiam não estar dispostos a tolerar.

Não tenciono construir cenários catastróficos, mas preocupa-me que a palavra “nuclear” seja tão frequentemente repetida (parece-me que cada vez mais) pelos mais diversos analistas.

Não é fácil de prever como tudo isto irá terminar, mas só posso ser solidário com um povo que defende a sua liberdade e a sua nação.

Acreditando que a Ucrânia continuará a ter um futuro, necessitará de uma reconstrução rápida e de um crescimento económico acelerado, mas também de se armar fortemente.

A Ucrânia tem de fazer tudo o que estiver ao seu alcance, para impedir que a Rússia destrua as suas infraestruturas recorrentemente. É impossível prever o que vem do outro lado da fronteira. Será o recurso ao armamento nuclear a única solução para a Ucrânia?

Por último, tenho dúvidas que o atual líder da Rússia represente o sentimento dos 140 milhões, ou sequer da maioria do povo russo. Mas, a verdade é que tem poder para agir em nome de uma nação que tem um poder de destruição incalculável.

Será razoável que a humanidade corra o risco de extinção pelo poder de um só homem?

São certamente várias, as interrogações que ficam a pairar no ar.

Não sei como irá terminar tudo isto, mas em qualquer dos casos, receio que não seja desta que venhamos a tirar as devidas ilações.

sexta-feira, 22 de abril de 2022

 


10.          A desigualdade instalou-se

A desigualdade veio para ficar!

É impossível negar que a partir daquele momento inicial, deixamos de partir em igualdade de circunstâncias.

Uma família que tenha possibilidade de oferecer aos seus filhos uma boa educação, sabe que lhe está a dar as ferramentas necessárias para que consiga uma vida mais confortável.

Por oposição, uma família pobre que não consiga suportar a educação dos seus filhos, geralmente não consegue evitar que acabem com trabalhos mais duros fisicamente, menos estimulantes e mais mal remunerados.

Os que podem, não negligenciam a educação dos seus filhos, e na maioria dos casos, não fazem grande esforços para pôr fim às desigualdades do sistema de ensino.

Ninguém nega que há vantagens em partir à frente.

Um sistema de ensino mais igualitário podia trazer mais competitividade, o que provavelmente resultava numa maior oferta em termos de qualidade.

Mas, a quem é que isso interessa?

Não se resume apenas aos estudos. Quem tiver dinheiro para investir, quem puder ser sócio ou patrão, tem muito mais possibilidades de criar riqueza e ter uma vida melhor, do que quem não tiver esses meios.

As coisas são mais complexas, mas no essencial é isto: não é impossível deixar de ser pobre, mas também não é nada fácil.

Em oposição, não é impossível deixar de ser rico, mas é preciso ter algum azar, ser esbanjador, ou cair em desgraça.

O normal é cada um continuar a ser o que sempre foi.

Há exceções? Claro que sim, mas são isso mesmo!

Não se trata de “o melhor vence”, embora muitas vezes nos queiram fazer pensar que sim.

É impossível dizer sempre, que venceu o que tem melhores genes, ou o que tem mais capacidades para aquela função, ou até o que se esforçou mais.

Muitas vezes, as diferenças com que partem, torna quase impossível ao que parte atrás chegar em primeiro.

Na maioria dos casos, não é uma competição justa! Nem creio que se possa chamar de competição, se a desigualdade inicial determinar, por si só, o vencedor.

Talvez possamos dizer que existem várias competições: as de uns, as de aqueles e as dos outros.

O homem a certa altura (a partir da agricultura) passou a definir a suas próprias leis. Não só para garantir a convivência em grupos que passaram a incluir estranhos, mas também para defender os interesses privados face aos coletivos.

Deixou de ser necessário ser-se o melhor para executar determinada tarefa.

Nada fere mais o espírito de pertença ao mesmo grupo, do que o contraste entre a miséria e a opulência.

Infelizmente, todos nós já lemos ou ouvimos notícias como a que se segue:

"Milhões de bebés e crianças não deveriam estar a morrer todos os anos por falta de acesso a água, saneamento, nutrição adequada ou serviços básicos de saúde" (…).

(…)

“A maioria das crianças menores de 5 anos morre devido a causas preveníveis e com tratamento, como as complicações durante o parto, pneumonia, diarreia, sepse neonatal e a malária”[1].

Imagine quantas destas crianças que morreram, por este mundo fora, não poderiam ter tido um futuro brilhante.

Ou seja, perdemos crianças que não podemos saber o que teriam sido.

Quantos Charlie Chaplin, Wolfgang Amadeus Mozart, Albert Einstein ou Diego Maradona se poderão ter perdido nos últimos milhares de anos.

Nada contra os ricos! Quem não gostava de não ter de se preocupar com o dinheiro e fazer aquilo de que mais gosta, ou simplesmente, poder pagar para não ter de fazer aquelas atividades de que menos gosta.

Não acho que devamos ganhar todos o mesmo. Não me pareceria justo.

Julgo que a pobreza e a miséria são evitáveis, e não creio que sejam indissociáveis da abundância excessiva.

Como é possível que nunca chegue?

Custa a entender porque leva tanto a livrarmo-nos de certos comportamentos (que trazem ao de cima o que de pior há no ser humano).

Não é aceitável (do meu ponto de vista) que a desigualdade atinja níveis tão elevados, principalmente enquanto não for garantido um salário mínimo que permita uma vida decente.

O argumento que o sistema premeia os melhores porque são esses que criam riqueza e trazem o progresso é falso.

O progresso e a riqueza vieram do conhecimento e da ciência.

Quase sempre, os mais ricos são pessoas bem-adaptadas a um sistema que os defende.

Nem sempre é o melhor que ganha. Certamente que algumas vezes o é, mas cada vez mais, depende das regras do jogo.

Se no futebol não houvesse fora de jogo, não me surpreenderia que a altura dos ponta-de-lança subisse consideravelmente.

Era colocar dentro da pequena área, “uma torre” (ou duas), com dois metros (ou mais), que jogasse minimamente bem de cabeça, e talentos como Pelé, Johan Cruijff e Alfredo Di Stéfano, poderiam ter sido preteridos por falta de centímetros.



[1] https://www.unicef.org/angola/comunicados-de-imprensa/cada-cinco-segundos-morre-no-mundo-uma-crian%C3%A7a-com-menos-de-15-anos

sexta-feira, 8 de abril de 2022

 


9.          Dos oito aos oitenta!

Temos uma certa tendência para ir de um extremo ao outro.

Continuando a fazer cenários, ninguém tem dúvidas que uma família com muitos jovens na força da idade conseguiria obter mais rendimentos dos seus trabalhos agrícolas do que famílias com idade avançada, ou outras condições que afetassem a disponibilidade para as tarefas produtivas.

Não seria de estranhar que apesar de estarem a viver uma situação nova (nunca até então alguém tinha trabalhado apenas para si), os elementos do grupo continuassem a juntar-se, por exemplo à noite, à volta de uma fogueira, para partilharem experiências. Também não seria completamente surpreendente que partilhassem alimentos, nomeadamente com elementos do grupo mais necessitados.

Imaginemos que voltam a passar por outra crise. Desta vez, uma praga de insetos que destrói grande parte das colheitas.

A fome volta a atacar este grupo de agricultores, mas é natural que a gravidade não seja a mesma para todos.

Nem todos conseguiram amealhar o mesmo, pelo que é perfeitamente natural que uns consigam resistir melhor.

Os mais desesperados “batem à porta” dos que estão melhor, a pedir ajuda.

É natural que alguns tenham ajudado com o que podiam, mas não é impossível que outros tenham oferecido apoio em troca de mais tarde serem ressarcidos.

Nasce assim a dívida que durante milhões de anos não tinha dado sinais de vida.

Mas as coisas, como todos sabemos, podem sempre piorar.

Imagine que luta para pagar o que deve mas a certa altura, problemas inesperados, agravam ainda mais a situação.

Desesperado entrega o seu terreno para saldar a dívida e passa a trabalhar no terreno do outro em troca de alimento.

Mais dois nascimentos: o patrão e o assalariado.

Todos sabemos que o desenvolvimento não se ficou por aqui…

Os anos foram passando e aquele grupo foi crescendo até se transformar numa cidade-estado, mais tarde num reino ou até em um império.

O crescimento das desigualdades não foi menor, e não muito tempo depois, no máximo umas centenas ou milhares de anos depois (uma ínfima parte da nossa existência), temos Reis, Imperadores ou Faraós, donos de riquezas incalculáveis, enquanto a maioria dos seus súbditos passava fome ou vivia com muto pouco.

Quem no seu bom juízo, tirando essa pequena minoria, não sentiria falta dos tempos de caçador-coletor? Seria perfeitamente normal, caso ainda tivessem memória, o que certamente já não seria o caso, que muitos se interrogassem: porque diabos nos fomos meter nesta?

As regras do jogo tinham mudado definitivamente. Nunca em muitos milhares de anos de existência tínhamos conseguido criar tanto excedente, mas também nunca tínhamos vivido de forma tão miserável.

Mas não foi apenas a fome. De repente, aqueles com quem pouco tempo antes partilhávamos a vida, que faziam parte da nossa equipa, como de uma família se tratasse, de um momento para o outro, passam a desprezar-nos e a tratar-nos sem um mínimo de consideração.

Felizmente, hoje, alguns milhares de anos depois, podemos afirmar que esta situação, de um modo geral, melhorou, embora mais em alguns locais do que na maioria dos outros.

Hoje, cerca de dez mil anos depois desta aventura ter-se iniciado, temos estados, governos, instituições, leis, especialistas, exércitos e polícias, hospitais e universidades. Temos muitas coisas, mas apesar de tudo isso, e de até já termos ido à Lua, continuamos a ter muita miséria, pobreza e desespero.