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domingo, 28 de agosto de 2022

 


15.          Naturalmente egoístas ou altruístas?

A resposta a esta pergunta não pode deixar de ter em conta que a natureza “programou-nos” para sobrevivermos, pois só assim conseguimos atingir a idade reprodutiva, que nos permite garantir a continuidade da espécie, e em última análise, da própria vida (uma vez que o sistema é idêntico para todas as espécies).

Nós somos um ser eminentemente social. Se alguém tinha dúvidas, o Covid19 veio dissipá-las.

Portanto, se vivemos em grupo, significa que precisamos uns dos outros. Se vivêssemos sozinhos, certamente que teríamos uma vida muito mais difícil e nunca teríamos atingido o nível de desenvolvimento que já conseguimos (nem nada que se parecesse).

Para uma vida rica de oportunidades e plena de experiências, dependemos uns dos outros (sem mencionar a troca de conhecimentos).

Por tudo isto, poderíamos dizer que o egoísmo não faz sentido. Embora seja compreensível que se possa desenvolver como uma reação, quando estamos perante pessoas que só pensam nelas, e mesmo quando podem, nunca partilham.

No entanto, sabemos hoje que os países que no passado foram egoístas, aqueles que colonizaram e roubaram riquezas de outros países, enriqueceram.

Porque não se sabe (nunca foi tentado), como seria o mundo se os países tivessem optado por cooperar (em vez de colonizar), ainda há quem acredite que ser egoísta compense.  

Concluímos, portanto, que em termos racionais o egoísmo não faz sentido, embora de um ponto de vista egoísta e de curto prazo possa parecer que faz.

E de um ponto de vista biológico? Será que a natureza nos programou para sermos egoístas?

Um estudo recente, realizado por pesquisadores de Yale e Harvard procurou responder à pergunta: será que estamos predispostos a agir de forma cooperativa? Ou será que somos criaturas egoístas[1]?

O estudo sugere que nós não somos criaturas intuitivamente egoístas. Embora não tenha provado que sejamos naturalmente cooperativos, demonstrou que aqueles que vivem num ambiente onde esses comportamentos são recompensados acabam por desenvolver uma resposta intuitiva de cooperativismo. Ou seja, o mundo torna-se num melhor lugar para viver se a bondade (cooperativismo) for recompensada de modo regular, porque desenvolvemos a capacidade de pensar intuitivamente no bem comum.

Encontramos facilmente relatos, relativamente recentes, de aldeias organizadas através da partilha de bens de propriedade comum:

“A organização da sociedade era comunitária através da partilha dos bens de propriedade comum: água de rega, boi do povo, forno do povo, caminhos, moinhos de água, terrenos baldios, a Vezeira (pastoreio partilhado do gado caprino e ovino). Havia também a entreajuda: acarretar lenha para aquecimento no Inverno, colheitas da batata e do centeio, malhadas, matança do porco, limpeza dos caminhos e batidas aos lobos e Javalis” [2].

Considerando que o género Humano tem 2.4 milhões de anos (surgimento do Homo Habilis) e que o evento da agricultura só se deu há cerca de dez mil anos atrás, significa que mais de 99% da nossa existência foi passada como caçadores coletores.

Todos os estudos apontam no sentido de um grande espírito de entreajuda dentro desses grupos.

Mesmo que tenha havido confrontos entre grupos de caçadores-coletores que lutavam entre si por um determinado recurso, tudo aponta no sentido de terem sido situações esporádicas.

De acordo com alguns estudos a população no mundo há cerca de quinze mil anos atrás era inferior a meio milhão de habitantes[3].

O mais certo é que esses grupos raramente se cruzassem e que quando isso acontecesse, que cada um seguisse o seu caminho.

O que nos leva à seguinte conclusão: os grandes massacres ocorreram quando passamos a viver de forma sedentária, que teve início com o evento da agricultura (evento esse que possibilitou o aumento da população e o surgimento de atividades não produtivas, como por exemplo, os burocratas e os soldados).

É compreensível que o número de mortes seja muito mais elevado no confronto entre estados ou até mesmo impérios, que envolvia milhares de soldados do que num confronto entre dois bandos de caçadores coletores que no total não envolvia mais do que algumas dezenas de indivíduos.

É evidente que o poder das armas não pode ser negligenciado. Atualmente, um míssil nuclear tem um poder destrutivo milhões de vezes superior ao de um machado, flecha ou espada. O poder mortal das armas tem evoluído ao longo dos tempos.

Mas o que realmente importa realçar é que essas guerras recentes, no período pós caçador-coletor, não visavam a conquista de recursos para a sobrevivência dos habitantes de determinado estado ou cidade. Para se ter um bom exército de soldados, bem alimentados, bem treinados e bem equipados, era necessário ter recursos. O que nos leva a concluir que o objetivo era fundamentalmente roubar riquezas aos povos conquistados (praticando no entretanto várias atrocidades).

O que pretendo realçar, é que essas guerras, essas conquistas, não tinham como origem um instinto de sobrevivência. O que as motivava era o poder, a ganância e o prazer de usurpar o que era dos outros e fazer-lhes mal.

Traziam ao de cima o pior do ser humano. E, no entanto, muitos dos seus líderes ainda hoje são admirados, ao ponto de lhes terem sido erigidas estátuas em homenagem aos seus feitos.

Eis alguns exemplos de personagens que ficaram para a história e que foram responsáveis por milhões de mortes:

·        Alexandre, o Grande (356 a.C. - 323 a.C)

·        Gengis Khan (1158 – 1227)

·        Francisco Pizarro (1476 — 1541)

·        Napoleão Bonaparte (1769 – 1821)

·        Adolf Hitler (1889 – 1945)

Admito que muitos soldados tivessem preferido ter ficado em casa a cuidar das suas ocupações e que outros desejassem o mesmo logo após os primeiros confrontos sangrentos, mas isso em nada diminui as carnificinas que a história nos relata nem as mortes que daí resultaram.

Outras crueldades podem ser referidas, tais como pessoas queimadas vivas por pensarem de forma diferente, ou por terem uma cor de pele diferente ou por terem diferentes preferências sexuais. Ainda hoje se matam pessoas por essas mesmas razões.

Mas a crueldade não foi praticada apenas contra indivíduos da nossa própria espécie. Matamos ao ponto de levar á extinção muitas outras espécies (e ainda estamos longe de poder afirmar que essas maldades e egoísmos fazem parte do passado).

Algumas espécies foram exterminadas pelo prazer de as matar, enquanto outras para satisfazer a ganância dos seus executores.

Dois exemplos bem elucidativos são o Castor que quase foi extinto porque a sua pele era usada para fazer chapéus (acabou por ser salvo pelo chapéu de seda), e o Dodô que foi mesmo extinto em parte porque não dava luta. Era tão fácil de matar que parecia estar a pedi-las. Parecia difícil de resistir!

Este animal da família dos pombos era endémico das Ilhas Maurício, uma ilha no Oceano Índico a leste de Madagáscar. Era incapaz de voar e não tinha medo de seres humanos, pois evoluiu isolado e sem predadores naturais[4]. Quando o ser humano chegou à ilha, ele não fugia porque não o reconhecia como um predador. Resultado: foi morto à paulada quase até à sua extinção. Como era um animal que tinha muita gordura, até para manter as fogueiras acesas era utilizado. A desmatação e os animais trazidos pelos colonos, nomeadamente porcos, ratos e principalmente os macacos que destruíam os ninhos do Dodô, acabaram com os restantes.



Perante tais factos e muitos outros que não foram referidos, não é possível dizer que somos naturalmente altruístas. Atrevo-me a dizer que comparado connosco, o tubarão-branco é um peluche Coala.

Após tanto sofrimento causado pelos seres humanos, quer a outros seres humanos quer a outros seres vivos, ninguém iria acreditar se dissesse que somos naturalmente generosos, bons, comunitários, altruístas, etc.

Acredito que muitas das pessoas que se envolveram em conflitos mortais de grande escala, não o fizeram voluntariamente (foram arrastados e sem possibilidade de fuga).

No entanto, a grande maioria das pessoas que passaram por este planeta não cometeram qualquer tipo de crime grave, quanto mais alguma atrocidade.

Muitos ficaram incógnitos, mas alguns são recordados pela sua generosidade, por terem colocado o interesse comum à frente de interesses individuais.

Alguns exemplos:

·        Abraham Lincoln (1809-1865)

·        Mahatma Gandhi (1869 – 1948)

·        Madre Teresa de Calcutá (1914 – 1997)

·        Nelson Mandela (1918 – 2013)

·        Martin Luther King Jr. (1929 – 1968

A maioria das pessoas pretende levar uma vida relativamente tranquila e preocupa-se minimamente com o bem-estar dos seus vizinhos. Não tenho quaisquer dúvidas que sente alguma tristeza com os relatos dos horrores praticados pelo ser humano ao longo da história.

Portanto, parece evidente que não somos naturalmente bons nem maus. Como concluí o estudo atrás referido, “não somos naturalmente egoístas nem altruístas”. Podemos tender mais para um lado ou para outro, depende das circunstâncias da vida. Por isso é tão importante sublinhar que devemos criar todas as condições para que a bondade vença e para que a maldade não se consiga impor.

Esta é a regra de ouro: Criar as condições necessárias para que se evidencie o melhor que há em nós e não o contrário.

Com base nos conhecimentos já adquiridos, devemos fazer o que está ao nosso alcance para garantir que a balança tenda sempre para o lado que pretendemos.

Não me refiro apenas às leis e às autoridades que garantem o seu cumprimento.

É igualmente necessário que as pessoas vivam num ambiente com boas condições de vida e apostar no reforço positivo, premiando aqueles que se preocupam com o bem comum.

Talvez um dia seja muito raro castigar ou deixe de ser necessário premiar (porque fazer o bem passou a ser um comportamento comum e generalizado).



[1] https://sciam.com.br/cientistas-investigam-a-natureza-humana-e-descobrem-que-somos-bons-afinal/

[2] Texto retirado do livro “Momentos Lunares” de Jerónimo Pamplona

[3] https://hypescience.com/humanos-egoistas/

[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/Dod%C3%B4


sábado, 6 de agosto de 2022

Ricos em Qualquer Lado!


Há países onde nos podemos expressar livremente, e outros onde não.

Embora tenha nascido antes do 25 de abril, não posso dizer que saiba o que é viver em ditadura.

Mas prezo muito a liberdade de expressão e poder ouvir as mais diversas pessoas, quando bem informadas, a expressar livremente as suas opiniões e a fundamentá-las.

Podemos ou não concordar, mas é completamente diferente ouvir sempre a mesma lengalenga, do que poder escutar diferentes pontos de vista.

A vida não é monocromática e detestaria viver num país que o fosse, mesmo que fosse com mais dinheiro no bolso.

Alguém dizia, a propósito da guerra na Ucrânia e das suas implicações no crescimento económico, que até a China seria afetada, e que isso poderia pôr em causa a estabilidade social, baseada no acordo de melhor nível de vida em troca de obediência ao regime/partido. Ou seja, de acordo com o analista, o povo chinês abdicou de liberdade de expressão em troca de melhor nível de vida e de poder de compra.

O que me fez perguntar, quantos portugueses estariam dispostos a deixar de ter acesso ao contraditório, e a fontes de informação que nos proporcionam diferentes pontos de vista, em troca de mais umas centenas de euros no bolso?

Ou, colocando a questão de outra forma, quanto seria suficiente para atingir um número de eleitores que chegasse para mudar de um regime livre e democrático para um autocrático?

A grande questão é que isso pode acontecer, sem que venham efetivamente a receber os tais euros a mais no bolso. Basta criar essa ilusão. E, não nos esqueçamos: é sempre mais difícil reverter uma situação do que mantê-la.

Recordo que a França ficou a oito pontos percentuais mais um voto de ter uma presidente da extrema-direita. Um dos países mais ricos e com melhor nível de vida do mundo!

A Itália que pertence ao G7, vai a eleições em setembro, mas se fossem hoje, ganhava o partido da extrema-direita.

Nunca esteve tão perto…

Que implicações teria para a União Europeia?

Geralmente, países com democracias consolidadas e liberdade de expressão têm bom poder de compra. No geral, representam as nações mais desenvolvidas e com melhor nível de vida.

Mesmo assim, algo parece não estar bem…

Os Estados Unidos parecem estar á beira de uma guerra civil. A capacidade de diálogo entre democratas e conservadores nunca atingiu níveis tão baixos. Quem imaginava ser possível assistir ao ataque de 6 janeiro de 2021, ao Capitólio dos Estados Unidos?

Numa sociedade baseada no consumo, é compreensível que as pessoas se sintam frustradas quando não veem o seu esforço ser recompensado.

Atualmente impera o conceito que é o capital que gera dividendos, e que o valor humano é facilmente substituído, tirando uma muito pequena percentagem.

Assisto cada vez mais a quem abdique de uma carreira intensa e procure compensar dedicando-se a outras atividades, até como forma de conseguir obter o poder de compra desejado.

Ainda sou do tempo em que a empresa distribuía os lucros pelos acionistas e pelos trabalhadores. Hoje só distribui pelos acionistas por maior que seja o lucro.

Tirar uma licenciatura há 50 anos era praticamente garantia de um bom nível de vida. Atualmente, pode ser sinónimo de ir para caixa de um supermercado receber o ordenado mínimo.

Até os médicos se queixam. De acordo com o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, o salário médio de um médico, desceu de 4 salários mínimos para dois.

Recentemente ouvi na TV que muitos dentistas começam a trabalhar a receber o salário mínimo. Não me surpreenderia se se passasse o mesmo com outras licenciaturas.

Mas não era assim. E não o é agora porque haja menos dinheiro. Uma pequena percentagem continua a enriquecer e a ficar com uma percentagem cada vez maior do bolo.

Será que essas pessoas, os extremamente ricos, valorizam a liberdade de expressão?

Haverá diferenças entre sê-lo na China ou nos EUA? E valorizam-nas?

Aparentemente não parecem preocupados que possamos voltar a viver em autocracias/ditaduras. Se estivessem, faziam algo para travar o aumento da desigualdade.

Mesmo que do ponto de vista da racionalidade dos negócios estejam a tomar as melhores decisões, o facto é que existe o sério risco de cairmos num regime autocrático fruto de um crescente descontentamento.

É evidente que o esforço para a mobilidade social está a ser posto em causa.

Ou a maioria das pessoas passa a dar valor a outras formas de estar na vida, menos materialistas, ou corremos sérios riscos de mudar de sistema.

A recompensa vai cada vez mais para o capital. A possibilidade de alcançar um bom nível de vida, apenas com os rendimentos do trabalho, está em queda.

A que classe social pertence quem aufere dois ordenados mínimos mensais? Ainda compensa “marrar” para ter médias altíssimas?

Claro que há médicos a receber acima de 1420€/mês, mas o que está em causa é o conceito que recompensa cada vez mais o capital investido em detrimento do valor humano.

Um grupo de investidores gasta milhões a por um hospital a funcionar. Desde a compra do terreno até à abertura das portas.

Mas, os profissionais não são todos iguais e ainda há quem vá a determinado local porque quer ser atendido por determinada pessoa/s.

Dizem que não falta muito para que a robótica e a inteligência artificial enviem muitos profissionais para casa.

Vai acontecer num país livre e democrático, ou será que fica mais fácil se as regras estiverem bem definidas e os horários controlados?

Aparentemente, para os detentores do capital parece ser indiferente, afinal de contas, continuarão a enriquecer, seja aqui ou na Cochinchina.