15.
Naturalmente egoístas ou altruístas?
A resposta a esta pergunta não
pode deixar de ter em conta que a natureza “programou-nos” para sobrevivermos,
pois só assim conseguimos atingir a idade reprodutiva, que nos permite garantir
a continuidade da espécie, e em última análise, da própria vida (uma vez que o
sistema é idêntico para todas as espécies).
Nós somos um ser eminentemente
social. Se alguém tinha dúvidas, o Covid19 veio dissipá-las.
Portanto, se vivemos em grupo,
significa que precisamos uns dos outros. Se vivêssemos sozinhos, certamente que
teríamos uma vida muito mais difícil e nunca teríamos atingido o nível de
desenvolvimento que já conseguimos (nem nada que se parecesse).
Para uma vida rica de
oportunidades e plena de experiências, dependemos uns dos outros (sem mencionar
a troca de conhecimentos).
Por tudo isto, poderíamos
dizer que o egoísmo não faz sentido. Embora seja compreensível que se possa
desenvolver como uma reação, quando estamos perante pessoas que só pensam nelas,
e mesmo quando podem, nunca partilham.
No entanto, sabemos hoje que
os países que no passado foram egoístas, aqueles que colonizaram e roubaram
riquezas de outros países, enriqueceram.
Porque não se sabe (nunca foi
tentado), como seria o mundo se os países tivessem optado por cooperar (em vez
de colonizar), ainda há quem acredite que ser egoísta compense.
Concluímos, portanto, que em
termos racionais o egoísmo não faz sentido, embora de um ponto de vista egoísta
e de curto prazo possa parecer que faz.
E de um ponto de vista
biológico? Será que a natureza nos programou para sermos egoístas?
Um estudo recente, realizado
por pesquisadores de Yale e Harvard procurou responder à pergunta: será que
estamos predispostos a agir de forma cooperativa? Ou será que somos criaturas
egoístas[1]?
O estudo sugere que nós não
somos criaturas intuitivamente egoístas. Embora não tenha provado que sejamos
naturalmente cooperativos, demonstrou que aqueles que vivem num ambiente onde
esses comportamentos são recompensados acabam por desenvolver uma resposta
intuitiva de cooperativismo. Ou seja, o mundo torna-se num melhor lugar para
viver se a bondade (cooperativismo) for recompensada de modo regular, porque
desenvolvemos a capacidade de pensar intuitivamente no bem comum.
Encontramos facilmente
relatos, relativamente recentes, de aldeias organizadas através da partilha de
bens de propriedade comum:
“A organização da sociedade era comunitária através da partilha dos bens
de propriedade comum: água de rega, boi do povo, forno do povo, caminhos,
moinhos de água, terrenos baldios, a Vezeira (pastoreio partilhado do gado
caprino e ovino). Havia também a entreajuda: acarretar lenha para aquecimento
no Inverno, colheitas da batata e do centeio, malhadas, matança do porco,
limpeza dos caminhos e batidas aos lobos e Javalis” [2].
Considerando que o género
Humano tem 2.4 milhões de anos (surgimento do Homo Habilis) e que o evento da
agricultura só se deu há cerca de dez mil anos atrás, significa que mais de 99%
da nossa existência foi passada como caçadores coletores.
Todos os estudos apontam no
sentido de um grande espírito de entreajuda dentro desses grupos.
Mesmo que tenha havido
confrontos entre grupos de caçadores-coletores que lutavam entre si por um
determinado recurso, tudo aponta no sentido de terem sido situações
esporádicas.
De acordo com alguns estudos a
população no mundo há cerca de quinze mil anos atrás era inferior a meio milhão
de habitantes[3].
O mais certo é que esses
grupos raramente se cruzassem e que quando isso acontecesse, que cada um
seguisse o seu caminho.
O que nos leva à seguinte
conclusão: os grandes massacres ocorreram quando passamos a viver de forma
sedentária, que teve início com o evento da agricultura (evento esse que
possibilitou o aumento da população e o surgimento de atividades não
produtivas, como por exemplo, os burocratas e os soldados).
É compreensível que o número
de mortes seja muito mais elevado no confronto entre estados ou até mesmo
impérios, que envolvia milhares de soldados do que num confronto entre dois
bandos de caçadores coletores que no total não envolvia mais do que algumas
dezenas de indivíduos.
É evidente que o poder das
armas não pode ser negligenciado. Atualmente, um míssil nuclear tem um poder
destrutivo milhões de vezes superior ao de um machado, flecha ou espada. O
poder mortal das armas tem evoluído ao longo dos tempos.
Mas o que realmente importa
realçar é que essas guerras recentes, no período pós caçador-coletor, não
visavam a conquista de recursos para a sobrevivência dos habitantes de
determinado estado ou cidade. Para se ter um bom exército de soldados, bem
alimentados, bem treinados e bem equipados, era necessário ter recursos. O que
nos leva a concluir que o objetivo era fundamentalmente roubar riquezas aos
povos conquistados (praticando no entretanto várias atrocidades).
O que pretendo realçar, é que
essas guerras, essas conquistas, não tinham como origem um instinto de
sobrevivência. O que as motivava era o poder, a ganância e o prazer de usurpar
o que era dos outros e fazer-lhes mal.
Traziam ao de cima o pior do
ser humano. E, no entanto, muitos dos seus líderes ainda hoje são admirados, ao
ponto de lhes terem sido erigidas estátuas em homenagem aos seus feitos.
Eis alguns exemplos de
personagens que ficaram para a história e que foram responsáveis por milhões de
mortes:
·
Alexandre, o Grande (356 a.C.
- 323 a.C)
·
Gengis Khan (1158 – 1227)
·
Francisco Pizarro (1476 — 1541)
·
Napoleão Bonaparte (1769 – 1821)
·
Adolf Hitler (1889 – 1945)
Admito que muitos soldados
tivessem preferido ter ficado em casa a cuidar das suas ocupações e que outros
desejassem o mesmo logo após os primeiros confrontos sangrentos, mas isso em
nada diminui as carnificinas que a história nos relata nem as mortes que daí
resultaram.
Outras crueldades podem ser
referidas, tais como pessoas queimadas vivas por pensarem de forma diferente,
ou por terem uma cor de pele diferente ou por terem diferentes preferências
sexuais. Ainda hoje se matam pessoas por essas mesmas razões.
Mas a crueldade não foi
praticada apenas contra indivíduos da nossa própria espécie. Matamos ao ponto
de levar á extinção muitas outras espécies (e ainda estamos longe de poder afirmar
que essas maldades e egoísmos fazem parte do passado).
Algumas espécies foram
exterminadas pelo prazer de as matar, enquanto outras para satisfazer a
ganância dos seus executores.
Dois exemplos bem elucidativos
são o Castor que quase foi extinto porque a sua pele era usada para fazer
chapéus (acabou por ser salvo pelo chapéu de seda), e o Dodô que foi mesmo
extinto em parte porque não dava luta.
Era tão fácil de matar que parecia estar
a pedi-las. Parecia difícil de resistir!
Este animal da família dos
pombos era endémico das Ilhas Maurício, uma
ilha no Oceano Índico a leste de Madagáscar. Era incapaz de voar e não tinha medo de seres humanos, pois evoluiu
isolado e sem predadores naturais[4].
Quando o ser humano chegou à ilha, ele não fugia porque não o reconhecia
como um predador. Resultado: foi morto à paulada quase até à sua extinção. Como
era um animal que tinha muita gordura, até para manter as fogueiras acesas era
utilizado. A desmatação e os animais trazidos pelos colonos, nomeadamente
porcos, ratos e principalmente os macacos que destruíam os ninhos do Dodô,
acabaram com os restantes.
Perante tais factos e muitos
outros que não foram referidos, não é possível dizer que somos naturalmente altruístas.
Atrevo-me a dizer que comparado connosco, o tubarão-branco é um peluche Coala.
Após tanto sofrimento causado
pelos seres humanos, quer a outros seres humanos quer a outros seres vivos,
ninguém iria acreditar se dissesse que somos naturalmente generosos, bons,
comunitários, altruístas, etc.
Acredito que muitas das pessoas
que se envolveram em conflitos mortais de grande escala, não o fizeram voluntariamente
(foram arrastados e sem possibilidade de fuga).
No entanto, a grande maioria
das pessoas que passaram por este planeta não cometeram qualquer tipo de crime
grave, quanto mais alguma atrocidade.
Muitos ficaram incógnitos, mas
alguns são recordados pela sua generosidade, por terem colocado o interesse comum
à frente de interesses individuais.
Alguns exemplos:
·
Abraham Lincoln (1809-1865)
·
Mahatma Gandhi (1869 – 1948)
·
Madre Teresa de Calcutá (1914 – 1997)
·
Nelson Mandela (1918 – 2013)
·
Martin Luther King Jr. (1929 – 1968
A maioria das pessoas pretende
levar uma vida relativamente tranquila e preocupa-se minimamente com o bem-estar
dos seus vizinhos. Não tenho quaisquer dúvidas que sente alguma tristeza com os
relatos dos horrores praticados pelo ser humano ao longo da história.
Portanto, parece evidente que
não somos naturalmente bons nem maus. Como concluí o estudo atrás referido, “não
somos naturalmente egoístas nem altruístas”. Podemos tender mais para um lado ou
para outro, depende das circunstâncias da vida. Por isso é tão importante
sublinhar que devemos criar todas as condições para que a bondade vença e para que a maldade não se consiga impor.
Esta é a regra de ouro: Criar
as condições necessárias para que se evidencie o melhor que há em nós e não o
contrário.
Com base nos conhecimentos já
adquiridos, devemos fazer o que está ao nosso alcance para garantir que a
balança tenda sempre para o lado que pretendemos.
Não me refiro apenas às leis e
às autoridades que garantem o seu cumprimento.
É igualmente necessário que as
pessoas vivam num ambiente com boas condições de vida e apostar no reforço
positivo, premiando aqueles que se preocupam com o bem comum.
Talvez um dia seja muito raro
castigar ou deixe de ser necessário premiar (porque fazer o bem passou a ser um
comportamento comum e generalizado).
[1]
https://sciam.com.br/cientistas-investigam-a-natureza-humana-e-descobrem-que-somos-bons-afinal/
[2]
Texto retirado do livro “Momentos Lunares” de Jerónimo Pamplona
[3]
https://hypescience.com/humanos-egoistas/
[4]
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dod%C3%B4