“O Estado social somos todos nós”, diz Lobo Antunes
Tal como na medicina, é
indispensável fazer o “diagnóstico das causas da crise” para acabar com ela e
para prevenir reincidências, afirma o neurocirurgião, acrescentando que a crise
económica “ameaça esfarrapar o Estado social”.
Era
uma “reflexão despretensiosa” aquela que o neurocirurgião João Lobo Antunes se
propunha fazer sobre o que o preocupa como cidadão no actual estado das coisas
do Estado social. Tendo em conta a sua área de eleição, o também Conselheiro de
Estado não se coibiu de mencionar uma ou outra ligação que podem ser
encontradas entre a medicina e a política. Fez uma resenha sobre a história da
teoria do Estado social para acabar por concluir que, hoje, “o Estado social
somos nós”.
“O
modelo social europeu é em si mesmo um programa político, representa uma
conquista social sem preço e a sua destruição seria uma catástrofe”, afirmou
Lobo Antunes na conferência Afirmar o Futuro, que esta terça-feira terminou na
Fundação Calouste Gulbenkian. A ideia inicial das funções do Estado começaram a
ganhar forma na Europa central no século XIX com as políticas de Bismark sobre
pensões de reforma, por acidente ou doença. E materializaram-se no início do
século XX com intervenções em serviços sociais como a educação, saúde, transportes,
habitação, cultura, apoios sociais. Mas foi preciso esperar pelo pós-segunda
guerra para que o crescimento do Estado social ficasse intimamente ligado ao
boom económico, recordou Lobo Antunes, ainda que o modelo social tenha
“assumido na Europa roupagens muitos variadas”.
Em
Portugal as coisas demoraram mais, mas o neurocirurgião considera que
“indiscutível que o Serviço Nacional de Saúde foi uma das mais felizes
germinações da revolução de Abril e aquela que mais se entranhou na alma dos
cidadãos como um direito inalienável”.
No
final da década de 80, com o fim do muro de Berlim, começou a “questionar-se a
viabilidade do modelo social vigente” e essas dúvidas adensaram-se nos últimos
anos com a crise financeira. O que faz perigar as muitas formas de segurança
que esse Estado social imprimia à vida dos cidadãos. Agora, politicamente, nem
a direita nem a esquerda sabem lidar com o que resta desse Estado social.
“A
crise económica ameaça esfarrapar o Estado social”, avisa o médico. Tal como na
medicina, é indispensável fazer o “diagnóstico das causas da crise” para acabar
com ela e para prevenir reincidências. Lobo Antunes considera que a saúde é uma
área onde não pode haver cedências nas responsabilidades do Estado porque tem
“efeito multiplicador na economia” – faz aumentar a produtividade, o capital
humano e por cada ano ganho na esperança de vida a economia cresce 4%, enumera.
“O
debate sobre sustentabilidade do Estado social, e particularmente da saúde, é
habitualmente dominado por duas dimensões: a sustentabilidade financeira e a
sustentabilidade política, tendo esta última condição da primeira e sendo ambas
condições necessárias mas não suficientes”, apontou Lobo Antunes. Por isso, “o
paradigma da saúde pode ajudar a recentrar a questão das prestações do Estado
social” e isso é especialmente importante numa altura como a actual. “As
políticas de saúde em tempo de crise implicam fazer o que é necessário”, mas
fazê-lo de forma prudente, racional, informada. O que nem sempre é fácil
porque, admite, “a crise tem também como consequência o turvar da tomada
emocional das decisões”,
“Para
a saúde ser sustentável precisamos de uma população saudável e também
responsável pela sua própria saúde e de práticas de saúde bem integradas com
outras políticas educativas, sociais e económicas. Ou seja, precisamos de saúde
em todas as políticas.”
Até
porque, continuou, o Estado social adaptado é “indispensável para servir o
interesse público na educação, na justiça, na saúde, na segurança social, em
todas as áreas de intervenção do Estado junto dos cidadãos. Só assim podemos
ter uma democracia saudável e competitiva.” E perante este quadro global, João
Lobo Antunes rematou: “O Estado social, no fundo, somos nós.”