14.
Livre-arbítrio
Na INFOPÉDIA encontramos a
seguinte definição: “faculdade de decidir
de acordo com a própria vontade”.
Apresenta ainda uma definição
filosófica e outra religiosa[1].
Julgo que todos entendemos a
ausência de livre-arbítrio se tivermos uma arma apontada á cabeça. Daí resulta
a seguinte questão: Sem condicionamento prévio nem causa determinante teremos
verdadeiramente o poder de decidir de acordo com a nossa própria vontade?
Somos nós quem decidimos quais
são os critérios de atração física? Porque sentimos mais atração física por determinada
pessoa em detrimento de outras? Porque sentimos um apelo tão forte para deixar
descendente? Porque é tão difícil por termo à vida?
Alguns estudos recentes
apontam a preferência sexual como inata.
Não tenciono abordar a questão
das pessoas que sofrem discriminação (ou outras formas de violência) pelo facto
de manifestarem escolhas sexuais contrárias às da maioria, mas ninguém contesta
que algo inato não pode ter sido decidido (nem de forma livre, nem
condicionada).
É exatamente o mesmo do que
nascer com um pé de determinado tamanho.
Podemos escolher quem queremos
que esteja ao nosso lado, mas não controlamos os fatores de atração nem a
tendência sexual.
O tema do livre-arbítrio tem
sido alvo de estudos e debates por vários cientistas, em particular de
neurociências.
Até que ponto decidimos de
forma consciente?
Uma experiência em particular
ficou famosa[2]:
“Voluntários equipados com
elétrodos na cabeça deveriam escolher entre mover um dedo da mão direita ou um
dedo da mão esquerda.
Os participantes eram
instruídos para escolher de forma intuitiva, sem pensar. O exato momento em que
faziam o movimento era anotado.
(…)
O resultado foi surpreendente:
o momento que os participantes relataram como sendo o da decisão ocorria depois
de impulsos cerebrais e antes do movimento em si.
(…)
Os registos dos elétrodos
mostraram que a decisão, de alguma forma, já tinha sido tomada antes de os
participantes perceberem. Os sinais no cérebro já estavam em movimento antes da
experiência subjetiva de realizar a escolha.
Será que o cérebro dos
participantes realmente já tinha decidido? Será que a sensação de escolha era
apenas uma ilusão?”
As controvérsias causadas por
esta experiência não pararam de crescer desde então.
Como questiona o
neurocientista Robert Sapolsky no seu livro “COMPORTAMENTO”, se o cérebro
decide primeiro e só depois temos consciência dessa decisão, então onde fica o
livre arbítrio?
Vai ainda mais longe ao levantar
a questão de o cérebro decidir e mais tarde desenvolver uma narrativa para
justificar a sua decisão. Uma espécie de justificação para a escolha efetuada.
Nesta fase é importante deixar
claro que o nosso cérebro é constituído por duas partes distintas: O cérebro
intuitivo (ou primitivo) e o cérebro analítico (ou racional).
O segundo é muito mais lento e
consome muita mais energia. Por essa razão, é muitas vezes o intuitivo quem decide.
Podemos sentir-nos mais
atraídos por A e, no entanto, escolher B para partilhar a vida. O cérebro
analítico depois de pensar decidiu que havia outros critérios a considerar que
acabaram por se revelar decisivos.
Não podemos negar que existe livre-arbítrio,
mas provavelmente podemos dizer que nem sempre tomamos decisões de forma
consciente.
Houve decisões que tivemos de
tomar sem ter tido tempo para pensar. Certamente que vão voltar a acontecer.
Provavelmente já lhe aconteceu perguntar-se: “por que carga de água fiz
aquilo?”
Não se esqueça: a tendência
natural é para usar o poupadinho (o cérebro primitivo consome menos energia).
É possível treinar o cérebro
intuitivo. Exemplos fáceis são o treino militar e de desportistas de alta
competição, onde certos exercícios / movimentos são repetidos exaustivamente não
só com o intuito de os aperfeiçoar, mas principalmente para que se tornem automáticos.
O objetivo é executar bem sem “perder tempo” a pensar.
Experimente começar por reagir
e responder de forma mais pausada. Ganhe alguns segundos que podem ser
decisivos para o cérebro racional ter tempo para intervir e tomar as rédeas do
momento. Não pense que é fácil, mas pode sempre tentar.
Na selva, ao dar de caras com
um predador, ficar a pensar no que fazer podia ser fatal. Atualmente, existem muito
menos perigos que nos exijam uma reação rápida, do tipo faz primeiro e pensa
depois. É por essa razão que provavelmente compensa demorar alguns segundos a
reagir, de modo a dar tempo ao cérebro racional de escolher qual a melhor
resposta.
A vida preparou-se para de
forma instintiva evitar a morte. Por isso, em situações de perigo iminente, o
cérebro intuitivo decide sempre primeiro, por maior que seja o treino. A vida
procura manter-se viva e não quer saber do livre-arbítrio.
Não são apenas fatores biológicos
que condicionam a nossa capacidade de decidir conscientemente. Existem também
condicionantes sociais provocadas pela atividade humana: se não existirem
alternativas, se só lhe for dada uma opção, então não tem escolha.
Se for obrigado a aceitar o
primeiro emprego que lhe oferecerem por estar desesperado, porque precisa
urgentemente de dinheiro para pagar dívidas e para trazer comida para a sua
família, onde fica o livre arbítrio?
Claro que este é apena um
exemplo extremo. Muitos outros exemplos, alguns bem mais simples, podiam ser apresentados,
mas deixo isso há sua imaginação.
A sociedade necessita que os
cidadãos sejam responsáveis pelos seus atos, caso contrário seria um salve-se
quem puder.
Como se poderia
responsabilizar alguém que alegasse não ter consciência dos seus atos?
O livre arbítrio pode não
estar sempre presente nos nossos comportamentos, nem mesmo em todas as nossas
decisões, mas todos sabemos que isso não pode servir de pretexto para condutas
impróprias, mesmo que possa eventualmente servir de atenuante.
A formação da vida exigiu
determinadas condições e muito tempo. Mantermo-nos
vivos implica uma constante adaptação ao meio envolvente. Para a vida nada
é tão importante.
Hoje sabemos que a resposta
instintiva, nem sempre toma a melhor decisão.
Muitas vezes, entre duas
opções (com tempo para pensar), escolhemos a que menos serve os nossos
interesses. Certamente que já aconteceu com muita gente. Sabemos que foi a
decisão errada, porque algum tempo depois arrependemo-nos (se conseguirmos,
corrigimos).
As razões que estiveram na
base da primeira escolha são complexas, mas tudo indica que não foi uma opção racional,
ou se preferir, foi uma decisão consciente influenciada por impulsos que temos dificuldade
em controlar.
A evolução tecnológica, e o
conhecimento aprofundado sobre os nossos comportamentos biológicos, e o modo de
funcionar do nosso cérebro, poderão dar-nos ferramentas, para um cada vez maior
controlo sobre as nossas decisões, mas tudo leva o seu tempo.