7. Foi uma boa mudança de vida?
Várias pessoas questionam se houve de facto evolução ao passarmos de nómadas a sedentários.
Na altura em que escrevo esta
página (início de 2022) a população mundial está a caminho dos 8 mil milhões de
habitantes (somos cerca de 7.8 mil milhões de pessoas).
Desses, aproximadamente 69%
vive com menos de US-30$ por dia (tendo por base o nível de vida nos EUA).
Ou seja, ao dizer que 99.5%
dos indianos (ver mapa em baixo) vivem com menos de US-30$ por dia, estamos a
dizer que um indiano que ganhe por mês US-900$ tem o poder de compra
equivalente ao que teria se vivesse nos Estados Unidos da América com esse
montante mensal[1].
Portanto, imagine o que seria
viver na América com US-30$ por dia.
O gráfico em baixo impressiona
porque é assim que vive a grande maioria dos humanos atualmente.
Atualmente, cerca de 50% da população mundial vive em extrema pobreza (isso significa que vive com menos de 10$ por dia), e perto de 70% da população mundial é pobre.
Ser pobre significa, que as
férias são passadas em casa (se é que se pode chamar de férias), que raramente
(ou nunca) se vai almoçar ou jantar fora, que a casa tem fracas condições de
isolamento térmico e acústico, que muitas das roupas foram oferecidas, que não
se tem carro (nem para passear com a família ao fim-se-semana), que não se pode
ter grande cuidado com a saúde dentária (porque dentífrico é um luxo e o seguro
de saúde uma miragem), e que muitas vezes, o dinheiro só chega para comprar
“junk food[2]” ou
arroz, entre muitas outras coisas, pouco dignificantes da condição humana.
Se isto é ser pobre, imagine o
que é ser extremamente pobre!
Mesmo ignorando que a grande
maioria dos humanos terá de enfrentar décadas e décadas de trabalho repetitivo
e desinteressante, muitas vezes desconsiderados por chefias prepotentes, com
muito poucas perspetivas de ver as suas vidas melhorarem, fica fácil de
perceber o ponto de vista de quem levanta a questão: Terá valido a pena a
mudança para a vida sedentária proporcionada pela agricultura”?
Na altura, eramos muito menos
e havia muito mais disponibilidade de alimentos no mundo selvagem (entenda-se
animais para caçar e plantas e frutos para recolher).
O caçador-coletor era um ser
livre, com tempo para si e para a sua família (que numa perspetiva mais
abrangente, era todo o seu bando).
Não menos importante,
desconhecia o que era viver num mundo extremamente desigual, em que uns
exploram outros.
Como dizia alguém muito a
propósito: o capitalismo é o sistema económico em que o ser-humano é explorado
pelo ser-humano; e o comunismo, é exatamente o oposto disso.
Sim, é verdade que
tecnologicamente evoluímos muito. Temos carros que estacionam sozinhos, GPS,
Internet, telemóveis, frigoríficos, televisão, equipamentos para aquecer (ou
arrefecer) a temperatura, eletricidade, medicamentos, hospitais, etc.
Mas infelizmente, mais de um quarto
da população mundial continua sem ter água potável em casa, e mais do dobro não
tem acesso a saneamento seguro.
A vida nos países mais ricos e
desenvolvidos está longe de representar a vida no planeta; mesmo nesses países,
alguma coisa não deve estar assim tão bem, se tantas pessoas acabam a recorrer
às mais variadas drogas, álcool, tabaco, ansiolíticos, antidepressivos, seitas
e grupos extremistas.
Sem falar que há pobreza até
em países tão ricos como os EUA, e não me estou a referir apenas a pessoas que
não querem, ou não conseguem trabalhar.
Apesar de tudo, é provável que
a maioria da população mundial não queira voltar à vida do caçador-coletor.
Na verdade, tal não seria possível
para a atual população.
Os recursos seriam claramente
insuficientes, e não apenas devido à biodiversidade que, entretanto, destruímos
(milhões de animais selvagens que matamos e outras tantas árvores que
derrubámos), mas principalmente porque a natureza não produz vida como uma “fábrica
de produção intensiva”, só nós é que o fazemos.
Mesmo que a população humana
descesse para valores compatíveis, duvido que a maioria estivesse disposta a
abdicar dos progressos alcançados. Apesar de tudo, a tecnologia trouxe
confortos que são indiscutivelmente apreciados.
Respondendo à pergunta que dá
o título a este capítulo, tenho de admitir que de um ponto de vista global, considerando
a população mundial, a mudança foi para pior, embora, na minha ingénua forma de ver, esteja
perfeitamente ao nosso alcance reverter essa situação.
Temos os meios e o
conhecimento necessário para vivermos num mundo muito menos desigual e sem
pobreza (se assim não for, é porque quem não quer, consegue impor a sua vontade).
[1]
Gráfico com dados de 2017: https://ourworldindata.org/poverty-minimum-growth-needed
[2]
Alimentos com alto teor calórico, mas com níveis reduzidos de nutrientes.