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segunda-feira, 31 de outubro de 2022

 


17.          Afinal porque cá andamos?

Não sei se esta pergunta faz algum sentido. Talvez haja algum pretensiosismo em pensarmos que andamos cá por alguma razão. Pode ser que estejamos cá apenas por que sim; porque a vida forma-se sob determinadas condições (ou porque Deus assim o quis, para os que acreditam que foi assim que tudo começou).

Não pretendo relançar a questão da teoria criacionista versus a teoria evolucionista. Independentemente de como começou a vida na terra, parece que ninguém duvida que temos um forte instinto de sobrevivência e que a continuidade da espécie (se possível, com os nossos genes) parece estar gravada na pele de cada um (refiro-me, obviamente, à generalidade).

No essencial, praticamente todos queremos sobreviver, deixar descendente/s, melhorar de nível de vida e ajudá-lo/s a ter sucesso.

A vida na Terra, após formar-se, ganhou complexidade, e nunca mais parou de adaptar-se ao meio envolvente. O Homo sapiens, com os seus cerca de trezentos mil anos, tem evoluído, não tanto em termos físicos, mas fundamentalmente graças ao desenvolvimento tecnológico e ao conhecimento que este lhe continua a proporcionar.

A agricultura (e a domesticação de animais) deram-nos a oportunidade de vivermos organizados em cidades/estados, que permitiram não apenas a divisão de tarefas, mas mais importante, que surgissem novas atividades, como é o caso dos investigadores/cientistas.

Passamos a ter atividades para além das que estão diretamente relacionadas com a produção de alimentos.

Já somos a espécie mais inteligente e com as ferramentas tecnológicas mais evoluídas. Temos uma enorme influência sobre a vida dos outros seres vivos (até há data, muito mais negativa do que positiva), ao ponto de estar em curso a sexta extinção em massa (esta, infelizmente, provocada por nós).

Daí a pergunta, o que pretendemos enquanto sapiens, para nós e para o mundo?

A resposta à pergunta em cima poderia ser que temos vários objetivos nas mais diversas áreas, e que devemos estar otimistas porque ainda não parámos de obter progressos.

Sugiro a visita ao sítio https://www.gapminder.org/ dos mesmos autores do livro Factfulness. Talvez se surpreenda ao constatar que apesar de muito estar por fazer, tem-se conseguido alcançar progressos significativos.

Eis alguns exemplos[1]:

- Nos últimos 200 anos, a escravatura e os trabalhos forçados, passaram de ser legais em cerca de 200 países, para os atuais menos de 5 (apenas 3 em 2017).

- Há aproximadamente 200 anos, 44% das crianças morriam antes de celebrar o quinto aniversário. Hoje são menos de 4%.

- Em 1950, 28% das crianças com idades compreendidas entre os 5 e os 14 anos, trabalhava a tempo inteiro, com más condições de trabalho. Esse número em 2012 era inferior a 10%.

- Nos últimos 50 anos, a percentagem de pessoas a passar fome desceu dos 28 para os 11%.

- No mesmo período, o nº de meninas a frequentar o ensino básico, passou de 65% para 90%.

- Em 1800 apenas 10% da população mundial sabia ler e escrever. Em 2016 esse nº já superava os 86%.

- A percentagem de área protegida no planeta (reservas naturais) passou de 0.03% em 1900 para 14.7% em 2016.

- A percentagem de pessoas com acesso a água potável passou de 58% em 1980 para 88% em 2015.

Mas a pergunta deste capítulo refere-se a um objetivo que necessita de muito mais tempo para ser alcançado, ou eventualmente, que nunca seja possível de alcançar na sua plenitude.

Imagine que:

- Nós (sapiens) faremos sempre de tudo para não nos autoextinguirmos (já agora, imagine que temos sucesso nesse desígnio).

- Que conseguimos, por sorte ou engenho, sobreviver a todo o tipo de desastres naturas.

- Que nenhum asteroide de enormes proporções embate na terra nos próximos milhões de anos.

- Que umas vezes de forma mais acelerada e outras de modo mais lento, continuamos sempre a evoluir.

Agora, tente imaginar aquilo que poderemos vir a conseguir:

- Será que um dia nos livramos das armas (em particular das de destruição em massa)? Não creio que os misseis nucleares tenham sido desenvolvidos para nos defendermos de um eventual ataque de extraterrestres. Para além de uma exagerada demonstração de força, têm servido para garantir que ninguém se atreve a tentar invadir os seus detentores (mas a verdade é que continuamos todos a dormir com uma bomba debaixo da cama, e quem as tem, parece não ser capaz de se sentir seguro sem elas).

- Será que vamos conseguir viver sem pobreza? Viver num mundo onde todos vivem bem (mesmo que alguns vivam melhor do que os outros, mas sem as atuais desigualdades descomunais)?

- Será que um dia vamos tolerar as diferenças? Ou melhor, viver com elas sem lhes prestar atenção?

Qualquer um desses objetivos já podia ter sido alcançado. Ambos já estão perfeitamente ao nosso alcance.

Creio que ninguém duvida que se quiséssemos, conseguíamos, sem grandes dificuldades, terminar com a fome no mundo. Tenho inclusive a certeza de que poderíamos ir mais longe e por fim à pobreza.

Já em relação às armas de destruição maciça, é evidente que temos os meios técnicos para as desmantelar; o problema reside na confiança que é necessária para o fazer. Cada um precisa de confiar em todos os outros. Tendo por base o nosso passado relativamente recente, não é tarefa nada fácil.  

Apesar de termos os meios, não é fácil de prever quando será concretizado este objetivo.

Mas existem outros, igualmente difíceis ou até impossíveis de prever quando os conseguiremos atingir.

Deixo aqui alguns exemplos:

Quanto tempo até conseguirmos:

- Por fim às desigualdades profundas? (nomeadamente enquanto houver pobreza, fome e miséria)

- Deixar de poluir o ambiente? (passando a usar produtos biodegradáveis e a reutilizar, sempre que possível)

- Acabar com a dependência dos combustíveis fósseis? (apenas usar energias limpas e renováveis)

- Parar de enviar gases com efeito de estufa para a atmosfera? (será a tempo de evitar alterações climáticas catastróficas?)

- Passar a cuidar do planeta Terra como se fosse a nossa única casa? (em vez de o vermos como uma fonte de enriquecimento rápido)

- Conceder aos outros seres vivos deste planeta, o espaço e a liberdade de que necessitam para que possam viver naturalmente?

- Deixar de olhar para os outros seres vivos como seres sem alma? (antes como seres vivos que seguiram um caminho diferente na evolução e com quem podemos aprender algo);

- Deixar de morrer por causa do cancro?

- Encontrar uma defesa eficaz contra os micro-organismos? (nomeadamente vírus e bactérias que nos causam doenças graves)

- Retardar consideravelmente o envelhecimento celular (e dos tecidos e órgãos) de modo a aumentar significativamente o nosso tempo de vida?

- Passar a usar implantes que potenciem as nossas capacidades inatas? (como por exemplo, visão, audição, olfato, paladar, memória e rapidez de raciocínio)

- Não ceder à manipulação genética? (e criar super-homens);

- Controlar os nossos instintos mais negativos? (egoísmo [ou gula], ganância [ou avareza], luxúria, ódio [ou raiva], inveja, preguiça, vaidade [ou soberba], ciúmes, mentira e desprezo)

- Viver num mundo em que queremos o bem de todos e não apenas dos que fazem parte do nosso grupo?

- Ser capazes de pedir desculpas pelo mal que fizemos aos outros? (escravidão, subjugação, roubo e apropriação, etc.)

- Livrar-nos das desigualdades e discriminações? (por diferenças de género, cor da pele ou orientação sexual)

- Ser mais informados e exigentes dos nossos direitos (e não ficar à espera que tudo se resolva)

- Acabar com as desigualdades financeiras para lá do razoável (ninguém devia possuir mais do que X)

- Parar de fazer trabalhos repetitivos e pouco estimulantes? (deixando-os para a inteligência artificial e robótica)

- Permitir que as máquinas mandem em nós? (talvez tenhamos o bom senso de nunca permitir que tal aconteça)

- Descobrir como se formou a vida? (e tudo o que esse conhecimento nos poderá proporcionar)

 - Mudar de corpo? (levando apenas a forma de pensar, a memória e a consciência, e desse modo continuar a viver)

- Habitar um planeta com condições de vida semelhantes à do planeta Terra?

- Viajar à velocidade da luz? (ou o mais próximo possível)

- Juntar e/ou separar as partículas mais ínfimas? (as subatómicas)

- Entender como era o Universo antes de se formar? (se tal for possível)

- Compreender se há um propósito para a vida? (haverá?)

- Saber tudo (e o que fazer a seguir?)

São previsões difíceis de fazer, principalmente porque não remamos todos para o mesmo lado. Se algum dia o decidirmos fazer, tudo irá mudar muito mais depressa (creio que é exatamente isso que muitos não pretendem).

No entanto, atrevo-me a dizer que apesar de 100 anos ser uma ínfima parte do tempo de vida deste planeta (aproximadamente 4.6 mil milhões de anos, ou do tempo em que há vida neste planeta – aproximadamente 3.5 mil milhões de anos), pode ser suficiente para conseguirmos progressos impressionantes, e que poderão, certamente, provocar alterações significativas na forma como passaremos a viver. E este é o ponto. Admitindo que viveremos (sem nos autodestruirmos) por mais não sei quantos mil milhões de anos, imagine o que podemos descobrir e evoluir (ninguém consegue ter tanta imaginação).

Tendo em conta a evolução que conseguimos alcançar, apenas nos últimos 100 anos, tente imaginar como será a vida daqui a cem anos! E daqui a mil?

Creio que apenas mentalidades conservadoras (receio da mudança) ou interesses privados, nos poderão impedir de evoluir mais rápido.

Se há dois mil anos atrás disséssemos a alguém o que somos capazes de fazer hoje, arriscávamos a que nos matassem.

Se for possível continuar sempre a evoluir e a acumular conhecimento, é nos completamente impossível imaginar como seremos, o que saberemos, e o que conseguiremos fazer, dentro de dez mil anos (quanto mais dentro de um milhão de anos).

Esse poderia ser o nosso propósito, pelo menos na minha ingenuidade gosto de acreditar que sim: “um conhecimento, tão completo e profundo quanto possível, sobre o nosso planeta (primeiro) e sobre o universo em geral”.

Creio que ter um propósito pode ajudar a construir um sentido mais crítico para o mundo que pretendemos.

Como é que podemos alcançar um objetivo maior se continuamos a privilegiar a parte face ao todo?

Claro que no entretanto temos as nossas vidas, mas podemos sempre tentar conciliar objetivos de vida individual, com metas mais amplas (ao nível da espécie e da vida em geral).

Isso é mais fácil de alcançar numa sociedade justa e equilibrada, com forte contributo em prol da ciência e da investigação, visando a obtenção de conhecimento que sirva a vida.



[1] https://www.gapminder.org/