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quinta-feira, 28 de julho de 2022

 


14.          Livre-arbítrio

Na INFOPÉDIA encontramos a seguinte definição: “faculdade de decidir de acordo com a própria vontade”.

Apresenta ainda uma definição filosófica e outra religiosa[1].

Julgo que todos entendemos a ausência de livre-arbítrio se tivermos uma arma apontada á cabeça. Daí resulta a seguinte questão: Sem condicionamento prévio nem causa determinante teremos verdadeiramente o poder de decidir de acordo com a nossa própria vontade?

Somos nós quem decidimos quais são os critérios de atração física? Porque sentimos mais atração física por determinada pessoa em detrimento de outras? Porque sentimos um apelo tão forte para deixar descendente? Porque é tão difícil por termo à vida?

Alguns estudos recentes apontam a preferência sexual como inata.

Não tenciono abordar a questão das pessoas que sofrem discriminação (ou outras formas de violência) pelo facto de manifestarem escolhas sexuais contrárias às da maioria, mas ninguém contesta que algo inato não pode ter sido decidido (nem de forma livre, nem condicionada).

É exatamente o mesmo do que nascer com um pé de determinado tamanho.

Podemos escolher quem queremos que esteja ao nosso lado, mas não controlamos os fatores de atração nem a tendência sexual.

O tema do livre-arbítrio tem sido alvo de estudos e debates por vários cientistas, em particular de neurociências.

Até que ponto decidimos de forma consciente?

Uma experiência em particular ficou famosa[2]:

“Voluntários equipados com elétrodos na cabeça deveriam escolher entre mover um dedo da mão direita ou um dedo da mão esquerda.

Os participantes eram instruídos para escolher de forma intuitiva, sem pensar. O exato momento em que faziam o movimento era anotado.

(…)

O resultado foi surpreendente: o momento que os participantes relataram como sendo o da decisão ocorria depois de impulsos cerebrais e antes do movimento em si.

(…)

Os registos dos elétrodos mostraram que a decisão, de alguma forma, já tinha sido tomada antes de os participantes perceberem. Os sinais no cérebro já estavam em movimento antes da experiência subjetiva de realizar a escolha.

Será que o cérebro dos participantes realmente já tinha decidido? Será que a sensação de escolha era apenas uma ilusão?”

As controvérsias causadas por esta experiência não pararam de crescer desde então.

Como questiona o neurocientista Robert Sapolsky no seu livro “COMPORTAMENTO”, se o cérebro decide primeiro e só depois temos consciência dessa decisão, então onde fica o livre arbítrio?

Vai ainda mais longe ao levantar a questão de o cérebro decidir e mais tarde desenvolver uma narrativa para justificar a sua decisão. Uma espécie de justificação para a escolha efetuada.

Nesta fase é importante deixar claro que o nosso cérebro é constituído por duas partes distintas: O cérebro intuitivo (ou primitivo) e o cérebro analítico (ou racional).

O segundo é muito mais lento e consome muita mais energia. Por essa razão, é muitas vezes o intuitivo quem decide.

Podemos sentir-nos mais atraídos por A e, no entanto, escolher B para partilhar a vida. O cérebro analítico depois de pensar decidiu que havia outros critérios a considerar que acabaram por se revelar decisivos.

Não podemos negar que existe livre-arbítrio, mas provavelmente podemos dizer que nem sempre tomamos decisões de forma consciente.

Houve decisões que tivemos de tomar sem ter tido tempo para pensar. Certamente que vão voltar a acontecer. Provavelmente já lhe aconteceu perguntar-se: “por que carga de água fiz aquilo?”

Não se esqueça: a tendência natural é para usar o poupadinho (o cérebro primitivo consome menos energia).

É possível treinar o cérebro intuitivo. Exemplos fáceis são o treino militar e de desportistas de alta competição, onde certos exercícios / movimentos são repetidos exaustivamente não só com o intuito de os aperfeiçoar, mas principalmente para que se tornem automáticos. O objetivo é executar bem sem “perder tempo” a pensar.

Experimente começar por reagir e responder de forma mais pausada. Ganhe alguns segundos que podem ser decisivos para o cérebro racional ter tempo para intervir e tomar as rédeas do momento. Não pense que é fácil, mas pode sempre tentar.

Na selva, ao dar de caras com um predador, ficar a pensar no que fazer podia ser fatal. Atualmente, existem muito menos perigos que nos exijam uma reação rápida, do tipo faz primeiro e pensa depois. É por essa razão que provavelmente compensa demorar alguns segundos a reagir, de modo a dar tempo ao cérebro racional de escolher qual a melhor resposta.

A vida preparou-se para de forma instintiva evitar a morte. Por isso, em situações de perigo iminente, o cérebro intuitivo decide sempre primeiro, por maior que seja o treino. A vida procura manter-se viva e não quer saber do livre-arbítrio.

Não são apenas fatores biológicos que condicionam a nossa capacidade de decidir conscientemente. Existem também condicionantes sociais provocadas pela atividade humana: se não existirem alternativas, se só lhe for dada uma opção, então não tem escolha.

Se for obrigado a aceitar o primeiro emprego que lhe oferecerem por estar desesperado, porque precisa urgentemente de dinheiro para pagar dívidas e para trazer comida para a sua família, onde fica o livre arbítrio?

Claro que este é apena um exemplo extremo. Muitos outros exemplos, alguns bem mais simples, podiam ser apresentados, mas deixo isso há sua imaginação.

A sociedade necessita que os cidadãos sejam responsáveis pelos seus atos, caso contrário seria um salve-se quem puder.

Como se poderia responsabilizar alguém que alegasse não ter consciência dos seus atos?

O livre arbítrio pode não estar sempre presente nos nossos comportamentos, nem mesmo em todas as nossas decisões, mas todos sabemos que isso não pode servir de pretexto para condutas impróprias, mesmo que possa eventualmente servir de atenuante.

A formação da vida exigiu determinadas condições e muito tempo. Mantermo-nos vivos implica uma constante adaptação ao meio envolvente. Para a vida nada é tão importante.

Hoje sabemos que a resposta instintiva, nem sempre toma a melhor decisão.

Muitas vezes, entre duas opções (com tempo para pensar), escolhemos a que menos serve os nossos interesses. Certamente que já aconteceu com muita gente. Sabemos que foi a decisão errada, porque algum tempo depois arrependemo-nos (se conseguirmos, corrigimos).

As razões que estiveram na base da primeira escolha são complexas, mas tudo indica que não foi uma opção racional, ou se preferir, foi uma decisão consciente influenciada por impulsos que temos dificuldade em controlar.

A evolução tecnológica, e o conhecimento aprofundado sobre os nossos comportamentos biológicos, e o modo de funcionar do nosso cérebro, poderão dar-nos ferramentas, para um cada vez maior controlo sobre as nossas decisões, mas tudo leva o seu tempo.



[2] https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/08/150814_vert_fut_mente_controle_hb


1 comentário:

  1. Muito certo... É preciso ter calma... Mas sem. Dúvida que muitas das vezes quem manda é o cérebro limbico.... Não é fácil parar para pensar.... Algumas Pessoas são mais racionais que outras, sobrepõem a razão acima da emoção... Somos todos diferentes nas reações e decisões que tomamos.
    Mas há tantos fatores em ter em Conta dá pano para mangas.

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