Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo
epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a
maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada
cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%)
já teve uma destas perturbações durante a vida.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto
com impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência, urdida nos
jogos e na televisão, faz parte da ração diária das crianças e adolescentes.
Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados incapazes de construírem
um projecto de vida, escravos dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais
que satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes
imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois
todos terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade de
adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural que assim seja,
dado que a actual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão
absurda de que podem ser mestres de si próprios.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos
últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada
100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das
crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres humanos não existe
uma sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade.
Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis que entronizam
o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de
alma dos ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de
alimentos.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna
cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família.
Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença prolongada no
trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil
perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias entre
o trabalho, a escola e a casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o
rosto de uma mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão
cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três anos.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de
desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho
presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de
trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza.
Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas inúteis,
segurando um papel encardido da Segurança Social.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil
aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês,
enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à actividade da
pilhagem do erário público. Fito com assombro e complacência os olhos de revolta
daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer
mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria.
Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns
portugueses com responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente
aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.
Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um mecanismo oleado
que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de um povo, criando condições
sociais que favorecem uma decadência neuronal colectiva, multiplicando, deste
modo, as doenças mentais.
E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem
tem o estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de
concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma inquietação
culposa diante estes rostos que me visitam diariamente. Médico psiquiatra
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