Cumprindo com a tradição de uma
família com raízes no douro vinhateiro, abri ontem, para comemorar o nascimento
da minha primeira filha, um Porto Quintal do Noval do meu ano de nascimento
1981, que me foi oferecido pelo meu Pai.
É sempre difícil abrir uma
garrafa especial, não pelo seu valor monetário que também pode ter o seu peso é
certo, mas pelo valor sentimental e de posse de algo único, que mais ninguém
tem. Eu sei que, como aquela, muitas mais garrafas foram para o mercado naquele
ano, mas cada garrafa é única. Não há outra igual.
Venci o meu sentimentalismo ou avareza,
enchi-me de coragem e substituí-os pela minha filha. Ao bebê-lo transferi esse tesouro
único que tinha para a minha filha, só ela importa, só ela é única, só ela
interessa conservar, tudo o resto é acessório. Orgulhoso pela tradição e ainda
mais por ter conquistado um objectivo de vida, a minha filha, abri a garrafa. Uma
tradição só se materializa se for praticada. Se não tivermos coragem de a levar
em frente, então não é tradição.
Não quis pensar muito no assunto.
Não lhe quis dar importância ou ainda me arrependeria. Agarrei nela como se
fosse igual ao vinho tinto que tinha servido para jantar. Em menos de um minuto
estava com o saca-rolhas espetado na rolha. Já não havia volta a dar.
A rolha desfez-se. Estava colada
no gargalo. Enquanto lutava para evitar que a rolha se desfizesse por completo
caindo no Porto, ia sentindo o aroma do néctar a libertar-se pela rolha. Que
aroma. Nunca mais me esquecerei. Vai ser como aqueles cheiros de infância que
estão cravados na minha cabeça, que me comovem quando os sinto, quando me
lembro da minha infância, quando me lembro da Aldeia e pelos campos por onde
passeava.
Com muito jeitinho e determinação
lá consegui extrair aquele obstáculo na minha caminhada para o olimpo.
Obstinadamente a rolha resistia ferozmente a largar de ânimo leve o precioso
néctar que durante quase 34 anos conservara. Como eu a compreendi quando
finalmente o degustei. Uma cor de caramelo lindo e um sabor de inigualável
prazer. Que ano.
Obrigado a todos os que ajudaram
na produção de aquele Quinta do Noval de 1981 (alguns poderão já não estar entre
nós) e um especial obrigado e bem-haja ao meu pai, por ter dado sequência à
tradição e por me ter proporcionado ontem aquele momento mágico que ficará para
sempre gravado na minha memória. Infelizmente a minha mulher não é apreciadora
de bebidas alcoólicas. Teria sido ainda melhor, correcção, teria sabido ainda melhor
se o partilhasse com ela.
Irei estar atento e adquirir neste
ano (no caso do ano de 2014 ter sido vintage), ou nos próximos, uma garrafa de
Porto para a minha filha do ano de 2014. Espero que ela goste, que o conserve,
que perceba o seu significado e o respeite, que tenha a determinação e coragem
que o pai teve e que, preferencialmente, disfrute dele. Espero estar com ela
nesse dia, para lhe poder dizer “Para mim, o ano de 2014 foi o melhor da minha
vida, foi a todos os níveis um grande ano, inesquecível”.
PS – Acho que vou à procura de
outra garrafa de 1981 e iniciar outra tradição, fazer uma árvore genealógica da
família e juntá-la à do meu pai (ele não teve coragem de abrir a dele).
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